segunda-feira, 23 de novembro de 2009

I CAPULETI E I MONTECCHI – Royal Opera House, Londres, Abril de 2009

I Capuleti e i Montecchi (os Capuleto e os Montequio), de Vicenzo Bellini, é a história de Romeu e Julieta. É uma obra de profundo lirismo e grande intensidade dramática, marcada pela história de um amor trágico e atravessada pela tirsteza e pela morte. Um deleite para os apreciadores do belcanto, é uma obra repleta de árias e duetos dos dois amantes, de uma beleza melódica insuperável. A história passa-se em Verona no Séc. XIII onde duas famílias rivais, os Capuleto e os Montequio se guerreiam, sobretudo depois de Romeu, filho do chefe dos Montequio, ter morto o filho de Capellio, chefe dos Capuleto. Romeu e Gulieta (filha de Capellio) estão apaixonados. Capellio promete Gulietta em casamento a Tebaldo, um partidário dos Capuleto. Romeu surge disfarçado no palácio dos Capuleto trazendo uma mensagem de paz entre as famílias, que seria selada com o casamento de Julieta e Romeu. A proposta é rejeitada, Romeu é descoberto e segue-se uma luta. Julieta, no quarto, recorda o seu amor por Romeu. Este aparece, acompanhado por Lorenzo, um médico e conselheiro de Capellio, e tenta convencer Julieta a fugir com ele. Não a demove. Começam os preparativos do casamento de Julieta com Tebaldo, que são interrompidos por Romeu e outros Montequio, provocando nova luta entre famílias. Lorenzo diz a Julieta que deverá tomar uma poção que a fará parecer morta, será sepultada no túmulo dos Capuleto e aí encontrará Romeu. Quando acordar, poderão fugir. Julieta bebe a poção quando iria casar com Tebaldo e “morre”. Romeu e Tebaldo voltam a combater mas ouvem o cortejo fúnubre de Julieta e ficam ambos destroçados. Romeu não chega a encontrar-se com Lorenzo e não é informado do plano, convencendo-se que Julieta está morta. Entra no túmulo onde jaz o seu corpo, junta-se a ela na morte, bebendo veneno. Julieta acorda e Romeu diz-lhe que está a morrer. Depois de um pungente dueto, Romeu morre nos braços de Julieta, que também morre. Os elementos das duas famílias entram no túmulo e culpam Capellio das mortes dos jovens.

A encenação, de Pier Luigi Pizzi, é clássica, sóbria e bem conseguida. A orquestra, excelente, dirigida por Mark Elder, mostrou logo de início que iríamos disfrutar de um espectáculo musicalmente esplendoroso.
Nos papeis masculinos, os primeiros a entrar em cena, Capellio, o baixo Eric Owens, Lorenzo, o barítono Giovanni Battista Parodi e Tebaldo, o tenor Dario Schmunck cumpriram sem deslumbrar. O tenor tem um papel relevante na ópera e esteve aquém do que se esperava. Eu estava sentado na plateia à frente e interroguei-me como o ouviria no anfiteatro.
Anna Netrtebko foi Julieta. Temi até ao início que cancelasse, o que havia feito alguns dias atrás, mas foi com alívio que verifiquei que tal não aconteceu. Sendo uma mulher deslumbrante, estava um pouco mais “cheia” que o habitual (após a maternidade há 7 meses) mas, vocalmente, no auge. Uma extensão vocal impressionante, uma potência notável, uns agudos fabulosos, sem nunca gritar e uns pianíssimos do outro mundo. Cenicamente foi admirável. Em resumo, a figura, a representação e a voz ideais para a personagem. Melhor deve ser impossível.
Finalmente Romeu, encarnado pelo mezzo-soprano Elina Garanca. É um papel extensíssimo e foi das melhores interpretações vocais femininas que alguma vez presenceei. A voz não é de meio sporano mas de soprano e meio! Para além da extensão, a beleza tímbrica é única, a potência vocal é inigualável (apesar da figura elegante e aparentemente frágil da cantora) e a agilidade em palco impossível de superar. Nas árias a solo foi arrebatadora e nos duetos com a Netrebko teve-se a sensação de não se estar neste planeta a ouvir cantar, tal a forma como as vozes se articulam uma com a outra, num esplendor vocal e cénico como nunca havia presenciado. Escrito para mezzo-soprano e apesar de bem caracterizada, não podemos esquecer que Romeu é uma mulher, o que quebra um pouco o encanto, mas dificilmente se obteria o mesmo lirismo apaixonado e transcendente na voz de um tenor ou ainda menos na de um contra-tenor. Enfim, uma experiência que não esquecerei e que justificou plenamente a deslocação a Londres apenas para assistir a este espectáculo.
Recomendo vivamente a gravação em CD da Deutsche Grammophon com Anna Netrebko, Elina Garanca, Joseph Calleja e outros, com a Wiener Singakademie e a Wiener Symphoniker, sob a direcção de Fabio Luisi, lançada em 2009.

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