domingo, 5 de fevereiro de 2012

THE ENCHANTED ISLAND – Met Live em HD, Fundação Gulbenkian, Fevereiro de 2012

(review in english below)

 

The Enchanted Island é uma opera concebida por Jeremy Sams, também autor do libretto, em inglês. Foi inspirada no pasticcio, tradição do Séc. XVIII que combinava música pré-existente com novos textos ou enredos. A música é de vários compositores, incluindo Händel, Vivaldi e Rameau. A história teve por base duas obras de Shakespeare, The Tempest e A Midsummer Night’s Dream.

 

A encenação de Phelim McDermott juntou cenários à moda do barroco com tecnologia actual. O resultado foi vistoso, com partes de gosto discutível (a cena de Neptuno no fundo do mar não podia ser mais kitsch) e outras muito bem conseguidas (o final do primeiro acto, com a saída minimalista de Próspero).

(fotografias /Photos de Ken Howard / Met Opera)

O elenco foi de grande peso e muito equilibrado. Wiliam Christie, um reputado especialista no barroco, dirigiu.

O contratenor David Daniels foi um Próspero de qualidade. Mantém as características vocais que sempre lhe conheci e é um cantor respeitável mas sem grandes atributos cénicos, como mais uma vez demonstrou.

O mezzo Joyce DiDonato, no papel da feiticeira Sycorax, foi a melhor cantora em cena. Começou muito bem no registo grave e subiu facilmente para agudos fantásticos, mantendo a qualidade em toda a extensão e em todas as intervenções.


O baixo barítono Luca Pisaroni cumpriu como Caliban, dando boa nota das suas qualidades vocais.

O soprano Danielle de Niese foi um Ariel marcante cenicamente. A voz é muito digna mas achei que a cantora teve dificuldades nas árias de bravura e, no registo mais agudo, tendeu para a estridência.


O Neptuno de Plácido Domingo foi ao nível do que nos tem habituado nas suas recentes interpretações.

Também estiveram bem o soprano Lisette Oropesa (voz clara, cristalina e de grande beleza), o contratenor Anthony Roth Costanzo (excelente na sua única ária), o soprano Layla Claire, o mezzo Elizabeth DeShong, o tenor Paul Appleby e o barítono Elliot Madore.


Apesar de tudo isto, confesso que nunca me senti entusiasmado. Estamos no Séc. XXI e não consigo assimilar com naturalidade a tradição barroca do pasticcio. Logo a primeira ária de Vivaldi cantada por Próspero / David Daniels Ah, if you would earn your freedom, copiada de Ah, ch’infelice sempre da cantata Cessate, omai cessate causou-me alguma estranheza e desconforto. Nunca consegui ultrapassá-lo e, quando ouvi a ária Mother why not? – Mother my blood is freezing cantada por Caliban / Luca Pisaroni, copiada de Gelido in ogni vena de Il Farnace de Vivaldi, não mais perdi a sensação que se estavam a banalizar alguns trechos musicais sublimes. Recordei imediatamente a interpretação superlativa de Cecilia Bartoli, que consegue transmitir uma dor dilacerante (gravação disponível no CD The Vivaldi Album). Comparando as duas, a interpretação nesta ópera foi quase grotesca.
Este é “apenas” um pormenor, mas foram eles que fizeram com que não conseguisse achar que assisti a um espectáculo empolgante.

***


THE ENCHANTED ISLAND - Met Live in HD, Gulbenkian Foundation, February 2012

The Enchanted Island is an opera concieved by Jeremy Sams who also wrote the English libretto. It was inspired in pasticcio, an eighteenth-century tradition that combined pre-existing music with new texts or plots. The music was by various composers, including Händel, Vivaldi and Rameau. The story was based on two Shakespeare’s pieces, The Tempest and A Midsummer Night's Dream.

The staging of Phelim McDermott joined stylish baroque scenarios with modern technology. The result was showy, with parts of questionable interest (the scene of Neptune in the sea could not be more kitsch) and others very good (the end of the first act, with the minimalist exit of Prospero).

The cast was of top quality and well balanced. William Christie, a renowned baroque specialist, directed.

Countertenor David Daniels was a Prospero of quality. He keeps his vocal characteristics preserved, and he is a respectable singer, but not with great scenic attributes, as we could see once again.

Soprano Danielle de Niese was,a striking Ariel on stage. The voice is powerful but I thought the singer had difficulties in bravura arias, and in the register she tended to stridency.

Mezzosoprano Joyce DiDonato, as the witch Sycorax, was the best singer on the scene. She started very well in the lower register and she easily achieved fantastic top notes, maintaining the highest quality throughout the entire vocal range and in all her interventions.

Bass baritone Luca Pisaroni was a very decent Caliban, showing his good vocal form.

Placido Domingo’s Neptune maintained the interpretative quality that we have seen in his recent performances.

Also very well were soprano Lisette Oropesa (clear, cristal and beautiful voice), countertenor Anthony Roth Costanzo (excellent in his single aria), soprano Layla Claire, mezzo Elizabeth DeShong, tenor Paul Appleby and baritone Elliot Madore.

Despite all this, I confess that I never felt excited. We are in the XXI century and I can not assimilate naturally the baroque tradition of the pasticcio. The first Vivaldi aria sung by Prospero / David Daniels Ah, if you would earn your freedom, copied from Ah, ch'infelice sempre from the cantata Cessate, omai cessate caused me immediately some strangeness and discomfort. I could never overcome this discomfort, and when I heard the aria Mother why not? - Mother my blood is freezing sung by Caliban / Luca Pisaroni, copied from Gelido in ogni vena from Vivaldi’s Il Farnace I no longer lost the feeling that some sublime pieces of exquisite baroque music were being trivialized. I remembered immediately the sublime interpretation of Cecilia Bartoli of this aria, who manages to convey an excruciating pain (available on CD The Vivaldi Album).  Comparing the two, the interpretation in this opera is almost grotesque.

This is "only" a detail, but several of these "details" made me feel that I was not watching an exciting performance.

***

9 comentários:

  1. Thanks a lot my friends, for the "high level" comments!
    Greetings,Willy

    ResponderEliminar
  2. @ Porto Berlim,

    Pela primeira vez na história do blogue "Fanáticos da Ópera / Opera Fanatics" não publicamos um comentário que nos foi feito por, em nossa opinião, ter conteudo incorrecto ou insultuoso (Esta ressalva consta no blogue em "Moderação de Comentários").
    Se o leitor (que não consegui contactar de outra forma) quiser escrever o seu comentário alterando a palavra usada na segunda frase, publicá-lo-emos e responderemos.

    ResponderEliminar
  3. Caro Fanático,
    não canso de me referir a sua competência como crítico e cronista. Como sempre me senti presente ao espetáculo!
    Um grande abraço de todos do atelier

    ResponderEliminar
  4. Nunca me senti entusiasmado em relação a este pasticcio e acabei por não ir vê-lo à Gulbenkian. Fiquei elucidado.

    ResponderEliminar
  5. No Brasil , a empresa MovieMobz exibia as trasmissçoes do MET ao vivo até o ano passado. Em 2012 essas foram canceladas por "falta de salas digitais" . As vezes que assisti as apresentações sempre teve público lotado. Estranho isso.

    ResponderEliminar
  6. Também estive na Gulbenkian. Achei a fantasia engraçada, mas teria preferido ver uma ópera barroca verdadeira. A transcrição de Gelido in ogni vena achei desastrosa, e não tinha pensado no ponto que o FanaticoUm levanta, com toda a razão, da alteração da emoção passada pela ária original.
    Excelentes cantores, em todo o caso.
    Enfim... Pode ser que isto seja uma espécie de anzol e pesque para o Met público e repertório barroco.

    ResponderEliminar
  7. @ Paulo,
    Bom palpite. :-)

    @ Alli,
    Também em Lisboa, a Fundação Gulbenkinan, isntituição privada mas que é verdadeiramente o Ministério da Cultura em Portugal, é o único local onde se pode assistir às transmissões do MetLive. E nunca há lugares disponíveis.

    @ Gi,
    Uma ópera barroca teria sido bem melhor, também acho. E perdemos a possibilidade de assistir à Rodelinda há tão pouco tempo...

    ResponderEliminar
  8. Obrigado pela sua interessante e cuidada critica. Também estive na Gulbenkian e concordo com as suas observações. O "pasticcio" foi longo , o libreto em inglês introduziu problemas como mencionou ( árias sublimes em situações desconexas)e a cenografia com aspectos magicos ( a derrocada de Próspero ) podia ser utilizada na produção de uma opera original do barroco. Creio que Gelb tem que repensar os seus objectivos. O MET , sem Levine, precisa de um director musical.

    ResponderEliminar
  9. Não tive a oportunidade de assistir mas ouvi pela rádio no dia 21 de Janeiro e não fiquei muito entusiasmado. Também concordo com muitos dos comentários aqui já escritos. É claro que se tenta diversificar as coisas no Met (também têm muita coisa com qualidade clássica). Penso que se podem dar ao luxo de se aventurar em práticas que eram correntes na altura (barroco) e experimentar a reacção do público.

    Já que ninguém referiu aqui fica - Esta récita foi gravada a 21 de Janeiro e... Plácido Domingo fazia 71 anos. Parabéns, Domingo!

    ResponderEliminar